FILOSOFIA A 2 - O senso comum e a razão filosófica

Ao longo da história, a Filosofia tem sido constantemente comparada, e muitas vezes contraposta, a diferentes formas de conhecimento. Já se disse que ela é o oposto da religião, da mitologia e até da ciência. Porém, um dos contrastes mais comuns é entre Filosofia e senso comum. Mas afinal, o que é esse tal de senso comum? Podemos definir o senso comum como o conjunto de conhecimentos e crenças que as pessoas desenvolvem no seu dia a dia, baseados nas experiências mais imediatas e nas tradições transmitidas ao longo das gerações. São explicações rápidas e práticas, geralmente sem preocupação com um método rigoroso ou com uma análise profunda.

O Método: Onde Tudo Muda

Embora tanto a Filosofia quanto a ciência e o senso comum lidem com o mundo e suas experiências, o que realmente separa esses campos é a questão do método. Enquanto o senso comum acumula saberes de maneira espontânea e sem crítica sistemática, a ciência trabalha com o método científico, envolvendo hipóteses, testes, comprovações e refutações. A Filosofia, por sua vez, também segue um método: o da reflexão crítica, da análise conceitual e do questionamento constante.

O senso comum não passa por esse filtro rigoroso. Por isso, muitas vezes ele se apoia em crenças não verificadas, opiniões populares e até mesmo superstições. Já a Filosofia busca justamente a ruptura com esse modo passivo de entender o mundo. Muitas das coisas que acreditamos não possuem quaisquer comprovações, sejam elas filosóficas ou científicas. 

O empirismo se baseia na experiência para definir o mundo, é a ciência propriamente dita.  O método é o que diferencia senso comum de filosofia e de ciência. Em um mundo cada vez mais cheio de terraplanistas e discursos populistas de salvadores da pátria, precisamos lembrar que eles não são detentores da verdade. Aliás, estamos na era da pós-verdade, onde você pode escolher qual é a sua verdade, sendo ela real ou não. Analfabetismo político e científico viraram mérito nas mãos de alguns que se apresentam transgressores do sistema, que manipula e distorce a realidade com alienação. Não podemos cair na dicotomia, no maniqueísmo de achar que, se um lado é "bom", o outro é necessariamente "do mal". Essa narrativa é amplamente utilizada nas grandes mídias quando se fala nas guerras onde civis são mortos como moscas em detrimento aos grandes interesses políticos de poucos. 

Questionar a Rotina: O Primeiro Passo Filosófico

Aceitar tudo como está, apenas porque é assim que sempre foi feito, é justamente o tipo de atitude que a Filosofia combate. O papel do filósofo é questionar o óbvio, desconstruir certezas e incentivar a análise racional.

O cotidiano nos conduz facilmente a um estado de conformismo. Muitas vezes, seguimos a vida no chamado "piloto automático", sem refletir sobre as decisões que tomamos ou sobre as ideias que aceitamos. É nessa passividade que o senso comum se fortalece.

Contudo, basta um acontecimento inesperado, uma situação fora da rotina, para que o indivíduo sinta um desconforto e comece a questionar aquilo que parecia tão natural. Esse choque com a realidade costuma ser o primeiro passo rumo ao pensamento filosófico.

Da Superficialidade ao Pensamento Crítico

Historicamente, com o avanço da Filosofia e da ciência, o senso comum foi gradualmente perdendo sua posição como fonte principal de conhecimento. Especialmente a partir do século XVII, com o surgimento da Filosofia moderna e obras fundamentais como o Discurso do Método, de René Descartes, tornou-se ainda mais evidente a necessidade de um rigor metodológico na busca pela verdade.

Descartes propôs a dúvida sistemática como ferramenta para se alcançar um conhecimento mais sólido e seguro, o que marcou uma ruptura importante com as formas de pensar baseadas apenas na tradição e na vivência não refletida.

Por Que Distinguir Filosofia de Senso Comum?

Essa separação é fundamental para evitar os erros cometidos em períodos históricos onde predominavam crenças sem base argumentativa. Durante muito tempo, a humanidade aceitou explicações simplistas, sustentadas apenas pela força do costume ou pelo carisma de quem as transmitia.

O conhecimento filosófico, ao contrário, exige reflexão crítica, argumentação consistente e disposição para o questionamento permanente.

A Ilusão do Conhecimento Popular

O senso comum pode parecer inofensivo, mas traz riscos reais. Ele é terreno fértil para superstições como "gato preto dá azar" ou "cortar o cabelo na lua crescente faz ele crescer mais rápido". Além disso, hoje vemos novas formas de charlatanismo disfarçadas de conhecimento sério, como discursos pseudocientíficos de alguns influenciadores digitais, incluindo os famosos "coachs" com jargões mal aplicados da física quântica.

Por trás de muitos desses discursos há apenas interesses financeiros, o que reforça a importância de um olhar crítico sobre o que consumimos como informação.

Fake News: A Nova Face do Senso Comum

Na era das redes sociais, o perigo de aceitar informações sem reflexão só aumentou. As chamadas fake news são um exemplo claro do senso comum mal direcionado, espalhando desinformação e alimentando crenças absurdas, de teorias conspiratórias à negação de fatos científicos. Elas tem discurso enviesado, uma lógica que se utiliza de fatos noticiados para distorcer a verdade de uma forma que condiciona o ouvinte à alienação. 

Essa avalanche de desinformação mostra como a falta de pensamento crítico pode gerar consequências sociais graves, desde o aumento da intolerância até o descrédito nas instituições de conhecimento.

Filosofia: Uma Necessidade Contemporânea

Embora o senso comum tenha sua utilidade na vida prática, ele não substitui a importância da Filosofia. Pensar filosoficamente é abandonar o conformismo, é escolher analisar os discursos com cuidado, buscar fundamentos lógicos e não se deixar levar por falácias. Mas também não significa desconstruir tudo à sua volta e começar a criar conhecimento assim, do nada. Não se pode somente aceitar o conhecimento que condiz com o que você acredita, há de se ouvir outras fontes e ponderar o sentido que fazem. Deve se considerar o contexto em que se inserem e para quem essa versão da verdade é conveniente. Geralmente as verdades são fabricadas e manipuladas para fortalecer o domínio de algum grupo de poder. 

A Filosofia não apenas questiona o que sabemos, mas também como sabemos. Ela é a força que impede o pensamento de ficar estagnado. Enquanto o senso comum sobrevive de fórmulas prontas, a Filosofia convida a abrir novas perguntas e trilhar caminhos intelectuais mais profundos e responsáveis.