Você já se pegou duvidando de tudo à sua volta? Desconfiando de certezas que as pessoas repetem sem pensar? Se sim, talvez você esteja mais próximo da tradição cética do que imagina. O ceticismo é uma corrente filosófica que se consolidou ainda na Antiguidade, ao lado de outras escolas importantes, como o estoicismo, o epicurismo e o hedonismo. Sua principal característica é justamente a recusa em aceitar verdades definitivas ou inquestionáveis.
Pirro de Élis e a origem do ceticismo
O marco inicial do ceticismo na tradição ocidental costuma ser atribuído a Pirro de Élis, filósofo grego nascido na cidade de Élis. Antes de se dedicar inteiramente à filosofia, Pirro tentou a carreira de pintor, sem grande êxito. Posteriormente, participou de uma expedição ao Oriente organizada por Alexandre, o Grande, onde teve contato com pensadores da Índia e da Pérsia. Esse intercâmbio cultural teve grande impacto em sua visão de mundo e no desenvolvimento de sua filosofia.
Ao retornar à Grécia, Pirro estruturou sua doutrina com base na suspensão do juízo (epoché) e na renúncia ao dogmatismo. Em vez de afirmar verdades, o cético sustenta que não podemos conhecer a verdadeira essência das coisas. O conhecimento, para os céticos, é sempre incerto, limitado e sujeito ao erro.
Os fundamentos da filosofia cética
Três conceitos centrais orientam o pensamento cético:
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Acatalepsia: ideia de que é impossível alcançar o conhecimento absoluto sobre a realidade. Esse termo surgiu como oposição ao conceito estoico de catalepsia, que pressupunha a apreensão segura da verdade.
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Epoché (suspensão do juízo): atitude de não afirmar nem negar proposições sobre o mundo, uma vez que todas carecem de fundamento absoluto.
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Ataraxia: estado de tranquilidade e serenidade interior alcançado ao abandonar a pretensão de conhecer o mundo com certeza. Esse conceito, compartilhado também por estoicos e epicuristas, era visto como a finalidade ética da filosofia.
O legado do ceticismo na história do pensamento
Embora muito do que foi escrito pelos céticos antigos tenha se perdido, seus princípios influenciaram profundamente a filosofia posterior. Pensadores como Michel de Montaigne, David Hume e Immanuel Kant refletiram sobre a dúvida e os limites do conhecimento, cada qual à sua maneira. Kant, inclusive, afirmou que o ceticismo o despertou de seu "sono dogmático", levando-o a questionar a validade das certezas estabelecidas pela razão pura.
Ceticismo e vida prática
O ceticismo não é apenas uma doutrina abstrata: ele pode ser compreendido também como uma postura crítica diante do mundo. Em tempos marcados por fake news, discursos dogmáticos e preconceitos, adotar uma atitude cética é um antídoto contra o pensamento automático e acrítico. O cético não aceita uma afirmação apenas porque ela é repetida muitas vezes — ele exige argumentos e fundamentos consistentes.
Aplicado ao cotidiano, o ceticismo se manifesta no antidogmatismo. Ele rejeita a ideia de verdades absolutas, especialmente aquelas não submetidas à análise crítica. Essa postura é essencial para lidar com temas polêmicos e complexos, como a legalização de substâncias, o papel das instituições de segurança pública ou o caráter laico do Estado.
Além disso, o ceticismo serve como ferramenta contra diversos preconceitos sociais. Termos como racismo, homofobia, machismo e xenofobia são sustentados por ideias pré-concebidas — ou seja, juízos formados antes do conhecimento real dos fatos. O cético questiona essas ideias enraizadas, exigindo justificativas racionais e denunciando as incoerências que sustentam discriminações infundadas.
Conclusão
O ceticismo não propõe respostas definitivas — pelo contrário, ele nos convida a viver com dúvidas, a conviver com a incerteza e a cultivar o pensamento crítico. Sua contribuição à história da filosofia está na revolução que promove ao suspender certezas e no convite à reflexão que continua atual mesmo séculos depois de seu surgimento. Em vez de nos acomodarmos com respostas prontas, os céticos nos ensinam a pensar melhor, mais livremente — e com mais responsabilidade.