Observamos os aviões no saguão do aeroporto Salgado Filho de Porto Alegre e já começou o frio na barriga. Os aeroportos tem toda uma dinâmica própria, na primeira vez a gente fica meio perdido. Embarquei por volta das onze da manhã.
O voo estava um tanto vazio, havia muitos acentos vagos. Parecia que ia ser uma viagem bem confortável, não sei, eu não tinha muitos voos no currículo para comparar!
Eu não fiz check-in antecipado, mesmo assim eu consegui sentar na asa. Na verdade não sei se isso é sorte ou azar, mas eu não iria conseguir sentar no corredor e ficar sem saber o que estava acontecendo lá fora.
Pra ser sincero, achei o avião meio velho. Eu também não sabia que a asa era pra ser flexível. Ela balançava o tempo todo, inclusive ao taxiar no solo. Tinha uns parafusos nela dos quais escorriam marcas de ferrugem.
Como era meu primeiro voo, a sensação era muito de "yupiii", pois tudo ali era novidade. Achei a decolagem meio violenta, se bem que o pouso também foi tenso.
A impressão que fica é que, se o avião despencar, a queda seria amaciada pelas nuvens, que parecem ser fofas. Sei lá, elas dão uma falsa ilusão de que o chão não é tão duro e nem tão longe. Mas enquanto a aeronave passava pelas nuvens deu bastante turbulência.
O momento mais suave foi ali por 10 mil pés, quando o céu fica todo azul, bem acima das nuvens. Nesse ponto começaram a servir as bebidas. De cara já pedi um cafezinho pra me sentir mais confortável. Paguei uns 5 reais; barato não era, mas eu não poderia deixar meu amigo café de fora desse momento tão especial. Eu vi que tinha no cardápio uns sanduíches bem simples de presunto e queijo de trinta reais. Acho que o mais caro era uns 50, com atum e salada. Em 2018 cinquenta reais era bastante. E um sanduíche bem feito em casa custaria centavos. Melhor não, obrigado!
Para me distrair fiquei vendo a minha localização nos mapas do aplicativo da Latam. Deu pra ver Curitiba de cima. Uma parte desse voo é sobre o Oceano Atlântico. Depois o avião sobrevoa o porto de uma grande cidade litorânea de São Paulo, que eu sabia que era Santos. Aí o avião começou a descer... Me impressionei ao sobrevoar a região metropolitana de São Paulo. Era prédio e mais prédio até o horizonte. Assustador e interessante ao mesmo tempo.
Ao descer deu pra perceber o quanto estava nublado. Rolou até umas gotas de chuva. Descer no aeroporto de Guarulhos foi um momento bem marcante. Me impressionei com as colinas verdes em volta (diferente do aeroporto de Congonhas que eu ia conhecer mais tarde, rodeado por prédios).
Eu ia ter que passar o dia inteiro ali, pois o voo pra Toronto era somente às 21:35. Todos os dias sai um voo de São Paulo para Toronto. Em Guarulhos tem uma esteira bem grande que você fica parado em cima e segue por um corredor onde não se enxerga o fim. Do lado tem um espaço para caminhar normalmente, onde transitam tipo aqueles carrinhos de golfe, cheios de malas e algumas pessoas sentadas. Parece divertido. Era o acesso do terminal de voos domésticos para o de voos internacionais. A primeira coisa que eu procurei foi um banheiro. A segunda coisa foi um Subway. A atendente e os outros clientes estavam com pressa, então meu sanduíche ficou horrível e eu paguei 23 reais naquela porcaria. Acho que fora do aeroporto eu pagaria menos de 15.
Fiquei andando pelo aeroporto a tarde toda. Sentei um pouco aqui, um pouco lá. Escovei os dentes nos banheiros algumas vezes. Observava decolagens... Utilizava o celular, ouvia música... Entrava no Facebook para postar coisa, conversava com gente no whatsapp...
Embarquei no avião. Se não me engano era um Boeing 787. Acho que só a turbina dele já tinha o tamanho do corpo do avião da Latam que eu vim do sul para São Paulo, que devia ser um Airbus A319. No avião menor eram seis cadeiras de largura, nesse da Air Canada eram nove!

Acabei perdendo o check-in online (eu nem sabia que isso existia) e não pude escolher meu acento. Peguei o acento do meio na fileira de poltronas do meio. Do meu lado direito estava um mineiro e do lado esquerdo uma senhora que falava Inglês. A decolagem foi tranquila, pois os aviões maiores parecem ser muito mais estáveis. Os avisos todos eram em Português, depois em Inglês, depois em Francês. Todas as poltronas tinham monitores embutidos, eu ficava vendo um pouco de série e depois eu acessava o mapa para ver sobre que estado o nosso avião estava. Adoro fazer isso. Uma hora de voo depois passou o aeromoço lá com um carrinho bem cheio de comida gritando "Chicken or beef?" Era a hora da janta. Eu tracei um plano: Na ida eu ia de chicken. Na volta eu pegaria "beef". A comida vinha toda em umas caixinhas de plástico.

Eu me planejei mal para esse dia todo em aviões e em aeroportos. Não sabia que a comida seria tão cara. O amigo mineiro do meu lado conversou bastante comigo. Ele era peão em Minas Gerais, peão de rodeio mesmo. Então em um determinado momento ele foi embora para o Canadá, casou-se e teve uma filha. Ele tinha vindo ao Brasil para visitar a família. Era cidadão canadense. No Canadá ele também era peão, só que de obras mesmo. Trabalhava na construção há muitos anos.
Cada passageiro ganhou um papel da alfândega pra preencher. Perguntava se a gente estava carregando armas, vinhos, linguiça, salame ou animais silvestres. Me lembrei do formulário DS 160 do visto americano, que perguntava se a gente já tinha violado os direitos humanos, torturado alguém ou já tinha participado de revolução armada contra o governo local. O documento era todo em Inglês. O amigo pediu para preencher o dele também, pois ele não entendia nada daquilo. Preenchi os dois, ele ficou feliz e me deu a janta dele! Disse que já havia jantado. E eu estava morto de fome!
Outra coisa bizarra que aconteceu é que em águas internacionais passou mais um carrinho. O comissário de bordo cantava "Duty free, duty free..." O carrinho estava cheio de iPhones e relógios caríssimos, mas sem a incidência de impostos nacionais (sim, iam pagar taxas para qual governo em águas internacionais?). Eu pensei "Meu deus, o que eu to fazendo aqui?" Legal que os produtos tem um desconto, mas tudo ainda custava milhares de dólares! Um cara pegou um Rolex, pagou com cartão de crédito e outro pegou um iPhone.
Por volta da meia noite as luzes começaram a esmaecer. Cada poltrona tinha um cobertorzinho e um travesseirinho bem ruim. O Mineiro já estava roncando, com o cobertor por cima da cabeça, parecia um espantalho.
Eu até tentei dormir algumas vezes. Mas era muita gente por perto. Roncos. aeromoças pra lá e pra cá trazendo água. Eu fiquei assistindo coisas. A série Young Sheldon. O filme Dumb & Dumber (Debi e Loide). Coisas do tipo.
O voo até que estava bem turbulento. Percebi que acima da Amazônia o avião começou a fazer uma curva para o Atlântico, devia ter uma tempestade muito grande ali. Era um desvio, minutos depois ele voltou para a rota. Ao sair do continente eu já me entusiasmei. Se o avião caísse já seria um caso internacional! Quando ele entrou no mar do caribe, eu já pensei nas manchetes: Avião cai no mar do Caribe! E eu de bandana, que nem um pirata! Mais próximo da manhã ele entrou no espaço aéreo americano, bem em cima de Nova York.

Acho que mais ou menos nessa hora passou o moço com o carrinho de comida gritando "Omelets or pancakes?". Esse era o breakfast. Tipo o dinner, na ida eu ia pegar o omelets e na vinda, o pancakes.
Eu passei a noite toda acordado, vendo séries e acompanhando o mapa da nossa posição às vezes. Teve uma hora que o avião fez uma curva. Eu olhei pro lado da asa que apontava pra baixo, e vi as luzes desenhando uma cidade enorme lá embaixo.
O cara do meu lado acordou, respirou fundo e disse que aquela era Toronto. Escorreu uma lágrima do meu olho e eu pensei "Nossa, eu to no Canadá". Era o lugar mais distante que eu já tinha ido. Me senti o Frodo Bolseiro quando ele fala no filme exatamente isso.